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Objetivos do blog Medicina Tem Limites

· Mostrar que o exercício da Medicina convive com impossibilidades, precariedades, dúvidas, fragilidades e inseguranças.


· Reafirmar a crença de que a grande maioria dos médicos, mesmo com as limitações próprias da atividade, trabalham movidos pelo desejo de aliviar o sofrimento das pessoas, aplicando com ética, responsabilidade e sensibilidade o conhecimento científico produzido pela inteligência humana.


· Contribuir para desmistificar a figura do médico, presente na cultura brasileira, como um ser acima da vida e da morte, que sabe tudo, que pode tudo e a quem tudo é permitido.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

SOBRE SUPLEMENTAR O QUE NÃO FALTA


Anderson Roman

Uma dúvida muito comum apresentada pelos clientes em consultório do nefrologista é o benefício, ou malefício, de dietas, medicamentos e suplementos. Desses últimos é que vou escrever um tanto neste artigo.

Suplementar é suprir algo que falta. Assim, faz todo sentido repor aquilo que é necessário e está faltando ao organismo humano. Mas é na indefinição do que é realmente necessário que se encontra o espaço para a desonestidade na oferta dos suplementos vitamínicos. 

Recebo, com muita frequência, em meu consultório, jovens que fazem “suplementação vitamínica”, mas que manifestam uma pertinente preocupação com algum possível malefício dessa prática. Como muitos desses jovens aparentemente são mais saudáveis que a média de todos nós, pergunto qual a razão para  essa suplementação. A resposta frequente é que estão em busca de algo que eles “sentem” que lhes falta: um desempenho físico ou cognitivo melhor; uma capacidade maior de suportar horas de trabalho, estudos e lazer; uma melhora estética na consistência da pele; maior resistência dos cabelos e unhas; uma “melhor imunidade”.

Primeiro, recorro ao bom senso: será que não seria melhor dar um repouso merecido ao organismo para obter o que eles “sentem” que lhes falta? Como está a alimentação? Qual a evidência objetiva de que falta tal ou qual vitamina? De onde vem a informação de que é necessária a suplementação? Regra geral, a resposta é: “ouvi dizer que é bom”; “na academia, muita gente toma ....”; “a alimentação funcional explica que ...”.

Desde os tempos da cura do escorbuto, doença mortal que, no passado, atacava os marujos em alto mar, a suplementação vitamínica tem ares de magia. Se uma pílula salvava vidas, não poderia ela nos permitir atravessar a noite estudando ou dançando e, no dia seguinte, trabalhar o dia todo, sem cansaço?

Infelizmente, não há pílulas mágicas. Afirmar que um organismo complexo, com bilhões de células, e que depende de hábitos saudáveis continuados para manter seu equilíbrio delicadíssimo, pode ter tudo solucionado apenas com uma pílula é de uma criatividade quase inocente! Tal como ocorre com qualquer equipamento mecânico, forçar o organismo além de sua capacidade vai trazer algum dano ou limitação a longo prazo. Não é possível repor esse prejuízo “suplementando”, pois não é o que falta, mas o que está em excesso que deve ser corrigido.

Quando essa argumentação não é suficiente para fazer o jovem desistir de seu intento equivocado, apresento então informações científicas. E o que diz a ciência sobre a suplementação de vitaminas em indivíduos saudáveis? Há uma torrente de experimentos científicos tentando provar seus benefícios na redução do risco de doenças cardiovasculares e no retardamento do envelhecimento, entre outros. Mas o resultado de todos esses experimentos é que a suplementação vitamínica, em quem é saudável, não serve para nada! Literalmente, é despejar o produto no vaso sanitário, pois é eliminado sem trazer qualquer benefício para o organismo.

Mas o problema não está apenas no desperdício. E aí entra a preocupação médica maior: a suplementação de vitaminas ou de alguns outros elementos pode provocar danos à saúde. Por exemplo, a suplementação de doses elevadas de vitamina E, na tentativa vã de bloquear o envelhecimento, pode aumentar a mortalidade. O uso de cálcio, isoladamente ou em combinação com vitamina D, em quem não tem deficiência, está associado a risco maior de infarto agudo do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (AVC).

Acredito que muitos desses jovens com quem converso no consultório acabam convencidos de que devem suspender a tal “suplementação”, mudar  hábitos alimentares e adotar um estilo de vida saudável. Mas sei que boa parte deles acha mais fácil acreditar que a solução se encontra em uma pílula. Eles vão ao consultório médico em busca de um passe de mágica. Não buscam a verdade.

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