Marcus Vinicius
"A prática da medicina é uma arte, não um comércio; uma vocação, não um negócio; uma vocação através da qual teu coração será exercitado assim como teu cérebro."
Sir William Osler
Outro dia, atendi um jovem de 19 anos que veio à consulta
acompanhado da mãe. Ele era portador de uma cardiopatia congênita e tinha sido
submetido a correção cirúrgica havia pouco mais de um ano. A cirurgia foi bem
sucedida e o garoto estava evoluindo bem, sem nenhuma complicação.
Como de costume, após avaliação clínica, expliquei tudo para
eles e pedi que voltassem em seis meses. Foi então que a mãe, com um semblante
de insatisfação, logo interrogou:
- Mas o senhor não
vai pedir nenhum exame? Não vai pedir um Ecocardiograma?
- Não, senhora. Não
houve mudança no quadro clínico (dados coletados e exame físico do paciente ),
portanto, não vejo necessidade - respondi.
- Mas o
cardiologista que acompanhava ele antes da cirurgia disse que esse exame deveria
ser feito a cada 6 meses! – insistiu a senhora.
- Isso não é
receita de bolo. Nas consultas de rotina, será avaliada a necessidade de
repetir o exame. - expliquei.
- Então vou
procurar o outro médico dele e não quero mais consultar aqui! - retrucou a mãe do
rapaz.
Trouxe esse caso para discutir sobre a relação
médico-paciente-exames. A relação
deveria ser apenas do médico com o paciente, quando o médico entra na
intimidade do doente, estabelecendo um vínculo de confiança que é fundamental
para o entendimento da doença, proporcionando um tratamento adequado.
Os planos de saúde têm um modelo de remuneração que paga um
valor maior para exames complementares do que para consultas. Uma nova
consulta, realizada dentro de 30 dias, chamada de retorno, não é paga pelo
convênio. Essa situação acaba estimulando, especialmente os donos de
equipamentos (médicos e empresários), a pedirem exames sem indicação formal, não
seguindo as orientações das sociedades médicas. Além disso, as grandes empresas
que fabricam os equipamentos trabalham com um marketing agressivo. Pagam reportagens
em programas de televisão para divulgar determinado equipamento, afirmando que
o novo exame oferecido é fundamental para saber se você tem alguma doença.
Imaginem a confusão que fica na cabeça do paciente, pois não
existe uma uniformidade nas condutas. A tendência é ele achar que o
profissional que não pede exames está sendo negligente, pois não teria condição
de fazer uma boa avaliação sem o exame complementar.
Não quero desprezar o importante papel da tecnologia na
Medicina. O Ecocardiograma trouxe um avanço significativo, tanto no diagnóstico
quanto no tratamento dos diversos tipos de cardiopatias, mas não substitui um
estetoscópio e ouvidos bem treinados. A maior parte das doenças cardiovasculares
foram descritas de forma minuciosa antes do advento da ecocardiografia. Técnicas cirúrgicas sofisticadas foram
criadas, cirurgias cardíacas foram
realizadas com sucesso sem auxílio do ecocardiograma.
Essa ferramenta
tecnológica deve ser utilizada com racionalidade pois os recursos para saúde
são limitados. Observamos o grande
números de pacientes nas filas do SUS esperando por exames complementares. Se
nós, médicos, seguíssemos as orientações das diretrizes científicas, será que as
filas não seriam menores? Também, reclamamos do baixo valor pago pelos planos
de saúde, mas estamos pedindo cada vez mais exames desnecessários, tornando
inviável uma melhor remuneração da consulta.
O que podemos fazer para mudar este cenário é estabelecer um
vínculo de confiança com nossos pacientes, mostrar que os exames complementares
apenas auxiliam no diagnóstico e quem deve ter o protagonismo de saber se devem
ser solicitados é o médico. Quanto a nós, profissionais, cabe bom senso e muito
estudo. Afinal, nós também somos vítimas desse fetiche que as pessoas criaram
em relação aos exames.
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