Marcus Vinicius
No consultório do cardiologista são muito frequentes as queixas
relacionadas aos transtornos de humor, destacando-se a depressão, que pode se
manifestar com queixas do tipo: palpitações, dor e sensação de angústia no
peito, cansaço, falta de ar, fadiga, disfunção sexual. Esses sintomas levam o
indivíduo ao consultório do cardiologista.
Uma rápida revisão da literatura médica mostra que a depressão pode ser
causa ou consequência de doenças cardíacas. Entre 20 e 40% dos cardiopatas
preenchem critérios para diagnóstico de depressão ou apresentam piora dos
sintomas depressivos. Estudos mostram que pacientes deprimidos tem uma pior
qualidade de vida, maior progressão de doença coronariana (que pode causar
infarto agudo do miocárdio), maior recorrência de eventos cardíacos e
mortalidade 2 a 2,5 vezes maior.
Tive a oportunidade de atender um jovem de 41 anos, com queixa de palpitações
(coração batendo mais forte), diariamente, com piora à noite, ao deitar. Tinha
dificuldade para dormir e acordava de madrugada angustiado, com a sensação de
não ter ar suficiente para respirar. Não tinha nenhum histórico importante de
doença cardíaca prévia e não fazia uso de nenhuma medicação.
Iniciei uma investigação tentando encontrar uma causa para suas queixas,
as quais pareciam tanto incomodá-lo. O exame físico e os exames complementares
não mostraram anormalidade, portanto, não tínhamos uma doença primária do
coração como causa dos sintomas. Em um dos retornos, me chamou a atenção seu
aspecto abatido e emagrecido. Havia perdido pelo menos uns 10 kg, calculei.
Naquele momento, percebi que precisava entrar um pouco mais em sua
intimidade e perguntei sobre sua vida
pessoal. Ele me contou que tinha uma vida muito tranquila, estava no seu
segundo casamento e era feliz. Até que, no segundo ano de casamento, sua atual
esposa engravidou. E desde o nascimento de seu filho, sua vida tinha mudado
muito, pois reconhecia que tinha dificuldade para se adaptar às novas
responsabilidades da vida de pai. Além disso, havia acontecido uma
reestruturação na empresa em que ele trabalhava, por conta da crise econômica,
e vários colegas de trabalho tinham sido demitidos. Estava certo de que aconteceria o
mesmo com ele. Com relação ao seu histórico familiar, relatou que seu pai havia
cometido suicídio quando ele era criança. Tinha lembrança de bons e maus
momentos durante o curto período de convivência que tiveram.
Mesmo tendo passado o período de stress mais intenso, ele tinha evoluído
para um quadro bastante sugestivo de depressão grave. Confessou, inclusive, ter
pensado em suicídio algumas vezes. Depois de conversarmos por algumas horas,
sugeri que fosse procurar um Psiquiatra e um Psicólogo, pois era um caso grave que precisaria de tratamento, inclusive
farmacológico.
Alguns meses depois, ele voltou ao consultório. Não estava abatido e até
esboçou um sorriso quando me cumprimentou. Seus sintomas cardíacos haviam
desaparecido e tinha recuperado um pouco do peso perdido. Ficou muito
agradecido pelas orientações e por encaminhá-lo para profissionais que foram
essenciais na sua recuperação. Antes de se despedir, ele me entregou um pedaço
de papel e contou que frequentemente sonhava com seu pai. Uma noite havia acordado e escrito estes
versos:
Ele insiste em aparecer nos
meus sonhos
A loucura acabou com seus
sonhos
O presente: insuportável
O passado: triste
O futuro: improvável
Perdeu-se entre ideias
desconexas
Realidade e sonho eram um só
Uma mente confusa e inquieta
Tantos inimigos imaginários
Era impossível vencer a batalha
Mas no final
Venceu a Guerra com um só golpe
Destruiu seu inimigo
Acabaram seus pensamentos
Agora pode descansar
Dentro de um silencioso vazio
Vai Samurai
Agora você pode viver em
harmonia
Faça sua passagem
O Homem que você foi
Permanece em nossos corações
-o-