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Objetivos do blog Medicina Tem Limites

· Mostrar que o exercício da Medicina convive com impossibilidades, precariedades, dúvidas, fragilidades e inseguranças.


· Reafirmar a crença de que a grande maioria dos médicos, mesmo com as limitações próprias da atividade, trabalham movidos pelo desejo de aliviar o sofrimento das pessoas, aplicando com ética, responsabilidade e sensibilidade o conhecimento científico produzido pela inteligência humana.


· Contribuir para desmistificar a figura do médico, presente na cultura brasileira, como um ser acima da vida e da morte, que sabe tudo, que pode tudo e a quem tudo é permitido.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

INSANAMENTE

                                                     

Marcus Vinicius

No consultório do cardiologista são muito frequentes as queixas relacionadas aos transtornos de humor, destacando-se a depressão, que pode se manifestar com queixas do tipo: palpitações, dor e sensação de angústia no peito, cansaço, falta de ar, fadiga, disfunção sexual. Esses sintomas levam o indivíduo ao consultório do cardiologista.

Uma rápida revisão da literatura médica mostra que a depressão pode ser causa ou consequência de doenças cardíacas. Entre 20 e 40% dos cardiopatas preenchem critérios para diagnóstico de depressão ou apresentam piora dos sintomas depressivos. Estudos mostram que pacientes deprimidos tem uma pior qualidade de vida, maior progressão de doença coronariana (que pode causar infarto agudo do miocárdio), maior recorrência de eventos cardíacos e mortalidade 2 a 2,5 vezes maior.

Tive a oportunidade de atender um jovem de 41 anos, com queixa de palpitações (coração batendo mais forte), diariamente, com piora à noite, ao deitar. Tinha dificuldade para dormir e acordava de madrugada angustiado, com a sensação de não ter ar suficiente para respirar. Não tinha nenhum histórico importante de doença cardíaca prévia e não fazia uso de nenhuma medicação.

Iniciei uma investigação tentando encontrar uma causa para suas queixas, as quais pareciam tanto incomodá-lo. O exame físico e os exames complementares não mostraram anormalidade, portanto, não tínhamos uma doença primária do coração como causa dos sintomas. Em um dos retornos, me chamou a atenção seu aspecto abatido e emagrecido. Havia perdido pelo menos uns 10 kg, calculei.

Naquele momento, percebi que precisava entrar um pouco mais em sua intimidade e perguntei sobre sua vida  pessoal. Ele me contou que tinha uma vida muito tranquila, estava no seu segundo casamento e era feliz. Até que, no segundo ano de casamento, sua atual esposa engravidou. E desde o nascimento de seu filho, sua vida tinha mudado muito, pois reconhecia que tinha dificuldade para se adaptar às novas responsabilidades da vida de pai. Além disso, havia acontecido uma reestruturação na empresa em que ele trabalhava, por conta da crise econômica, e vários colegas de trabalho tinham sido  demitidos. Estava certo de que aconteceria o mesmo com ele. Com relação ao seu histórico familiar, relatou que seu pai havia cometido suicídio quando ele era criança. Tinha lembrança de bons e maus momentos durante o curto período de convivência que tiveram.

Mesmo tendo passado o período de stress mais intenso, ele tinha evoluído para um quadro bastante sugestivo de depressão grave. Confessou, inclusive, ter pensado em suicídio algumas vezes. Depois de conversarmos por algumas horas, sugeri que fosse procurar um Psiquiatra e um Psicólogo, pois era um caso grave que precisaria de tratamento, inclusive farmacológico.

Alguns meses depois, ele voltou ao consultório. Não estava abatido e até esboçou um sorriso quando me cumprimentou. Seus sintomas cardíacos haviam desaparecido e tinha recuperado um pouco do peso perdido. Ficou muito agradecido pelas orientações e por encaminhá-lo para profissionais que foram essenciais na sua recuperação. Antes de se despedir, ele me entregou um pedaço de papel e contou que frequentemente sonhava com seu pai. Uma noite havia acordado e escrito estes versos:

Ele insiste em aparecer nos meus sonhos
A loucura acabou com seus sonhos
O presente: insuportável
O passado: triste
O futuro: improvável

Perdeu-se entre ideias desconexas
Realidade e sonho eram um só
Uma mente confusa e inquieta

Tantos inimigos imaginários
Era impossível vencer a batalha
Mas no final
Venceu a Guerra com um só golpe

Destruiu seu inimigo
Acabaram seus pensamentos
Agora pode descansar
Dentro de um silencioso vazio

Vai Samurai
Agora você pode viver em harmonia
Faça sua passagem
O Homem que você foi
Permanece em nossos corações


-o-