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Objetivos do blog Medicina Tem Limites

· Mostrar que o exercício da Medicina convive com impossibilidades, precariedades, dúvidas, fragilidades e inseguranças.


· Reafirmar a crença de que a grande maioria dos médicos, mesmo com as limitações próprias da atividade, trabalham movidos pelo desejo de aliviar o sofrimento das pessoas, aplicando com ética, responsabilidade e sensibilidade o conhecimento científico produzido pela inteligência humana.


· Contribuir para desmistificar a figura do médico, presente na cultura brasileira, como um ser acima da vida e da morte, que sabe tudo, que pode tudo e a quem tudo é permitido.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O BUDISMO CURA?





Carlos Alberto de Assis Viegas

tenho pés e mãos
sujos de manga madura -
infância distante

Estamos acompanhando uma grande procura por templos budistas. Muitos o fazem com o objetivo de aliviar sofrimentos decorrentes de transtornos físicos ou mentais (medicalização do budismo). Outros, para se livrar do que não gostam em si mesmo, como a vulnerabilidade emocional, culpas e inseguranças, com a fantasia de que tudo vai se transformar segundo seus desejos (materialismo espiritual). Há ainda os que buscam verdades existenciais para lidar melhor com o envelhecimento, a doença e a morte e também há muitos jovens que buscam um caminho para a autorrealização e orientação para compreender as incertezas da vida.  Afinal, estamos vivendo tempos conturbados por guerras, violência, racismo, ódio, discriminação, problemas ambientais e socioeconômicos, além das doenças que nos acometem.
No que se refere a doenças, sabemos que nosso sistema imunológico consegue controlar boa parte dos desarranjos fisiológicos. Em relação às doenças crônico-degenerativas, que constituem a principal causa de morte, elas podem ser controladas com atenção médica associada a hábitos de vida saudáveis. A verdade é que todos estamos sujeitos a sofrimentos, sejam físicos, psíquicos e/ou sociais, e um dia, fatalmente encerraremos essa jornada.
Sabemos que a meditação, orações, mentalização, atenção plena, etc., feitas por um enfermo ou por seus entes queridos, melhoram as condições evolutivas dos pacientes. Parece que os enfermos, com algum foco na espiritualidade, aprendem a lidar com o sofrimento e passam a aceitar melhor as perdas, encontrando um alento para o desfecho do seu caso. 
Os profissionais de saúde, por sua vez, quando adotam práticas espirituais, passam a olhar aquele que padece, não como um doente, mas como um ser humano que necessita de cuidados. Também aprendem que, para aliviar a dor do outro, é necessário abraçar essa dor com aconchego e sofrer junto.  Isso é muito importante e aprofunda o acolhimento, mas essas práticas isoladamente não são  budismo. 
O budismo propõe uma compreensão das causas do nosso sofrimento e apresenta a possibilidade de sua transformação. Assim é que o Buda frequentemente é referido como médico, que, com seus ensinamentos, pode nos ajudar a controlar nossos distúrbios causados pelo apego, raiva e ignorância. E, como já foi dito, “se você quer curar seu corpo físico, não procure o budismo. O budismo só cura os males da sua mente: ignorância, cólera e desejos desenfreados”. 
Entendo que o budismo deve ser procurado para vivenciar novas experiências e expandir nossa capacidade mental, dirigida a um profundo entendimento da realidade tal como ela é, e que deverá ser abraçada com consciência plena. Só assim o budismo pode nos ajudar a reconhecer, aceitar e abordar as questões não resolvidas, nos aceitando exatamente como nós somos. Caso contrário, estaremos nos enganando e nos mantendo presos a pensamentos e comportamentos disfuncionais. 
O budismo entrou em minha vida após uma perda na minha saúde física e mental. O budismo não me curou, porque continuo sendo uma pessoa cheia de defeitos. Porém o budismo diminuiu de forma importante minha arrogância, prepotência e minha crença de que deveria estar sempre lutando contra a morte. E me fez compreender que somos todos iguais e que, se em algum momento estou em situação privilegiada, isto pode ser devido ao sofrimento do outro. 
No início de minha carreira médica, quando optei por praticar exclusivamente a medicina pública, já tinha profundo respeito pelos menos favorecidos. Depois de alguns anos de prática, o budismo me ensinou que devo agradecer sempre aos pacientes. Foram eles, quando expuseram suas dores, aflições e inseguranças, que me deram a oportunidade de me desenvolver, técnica e compassivamente. Assim, penso que, quando os pacientes nos trazem suas mazelas, todos devemos reconhecer a grande oportunidade que nos é dada, para tentar fazer um mundo melhor para todos. Esse momento é único e precioso, e devemos agradecer por ele, pois existimos como profissionais da saúde, a partir do sofrimento do outro que nos foi confiado.
sim, uma por uma
todas as folhas cairão –
meus cabelos brancos

Carlos Alberto de Assis Viegas
·      Graduação em Medicina pela UnB. 
·      Mestrado em Pneumologia pela UFRGS.
·      Doutorado em Fisiopatologia Respiratória pela Universitat de Barcelona.
·      Pós-doutorado pela University of Pennsylvania. 
·      Professor Associado da UnB.

·      Seguidor do Shin Budismo e aprendiz de haijin (haicai).