Carlos Alberto de Assis Viegas
tenho pés e mãos
sujos de manga madura -
infância distante
Estamos acompanhando uma grande procura por templos budistas.
Muitos o fazem com o objetivo de aliviar sofrimentos decorrentes de transtornos
físicos ou mentais (medicalização
do budismo). Outros, para se livrar do que não gostam em si mesmo, como a
vulnerabilidade emocional, culpas e inseguranças, com a fantasia de que tudo
vai se transformar segundo seus desejos (materialismo
espiritual). Há ainda os que buscam verdades existenciais para lidar melhor
com o envelhecimento, a doença e a morte e também há muitos jovens que buscam
um caminho para a autorrealização e orientação para compreender as incertezas
da vida. Afinal, estamos
vivendo tempos conturbados por guerras, violência, racismo, ódio,
discriminação, problemas ambientais e socioeconômicos, além das doenças que nos
acometem.
No que se refere a doenças, sabemos que nosso sistema imunológico
consegue controlar boa parte dos desarranjos fisiológicos. Em relação às
doenças crônico-degenerativas, que constituem a principal causa de morte, elas
podem ser controladas com atenção médica associada a hábitos de vida saudáveis.
A verdade é que todos estamos sujeitos a sofrimentos, sejam físicos, psíquicos
e/ou sociais, e um dia, fatalmente encerraremos essa jornada.
Sabemos que a meditação, orações, mentalização, atenção plena,
etc., feitas por um enfermo ou por seus entes queridos, melhoram as condições
evolutivas dos pacientes. Parece que os enfermos, com algum foco na
espiritualidade, aprendem a lidar com o sofrimento e passam a aceitar melhor as
perdas, encontrando um alento para o desfecho do seu caso.
Os profissionais de saúde, por sua vez, quando adotam práticas
espirituais, passam a olhar aquele que padece, não como um doente, mas como um
ser humano que necessita de cuidados. Também aprendem que, para aliviar a dor
do outro, é necessário abraçar essa dor com aconchego e sofrer junto. Isso é muito importante e
aprofunda o acolhimento, mas essas práticas isoladamente não são budismo.
O budismo propõe uma compreensão das causas do nosso sofrimento e
apresenta a possibilidade de sua transformação. Assim é que o Buda
frequentemente é referido como médico, que, com seus ensinamentos, pode nos
ajudar a controlar nossos distúrbios causados pelo apego, raiva e ignorância.
E, como já foi dito, “se você quer curar seu corpo físico, não procure o
budismo. O budismo só cura os males da sua mente: ignorância, cólera e desejos
desenfreados”.
Entendo que o budismo deve ser procurado para vivenciar novas
experiências e expandir nossa capacidade mental, dirigida a um profundo
entendimento da realidade tal como ela é, e que deverá ser abraçada com
consciência plena. Só assim o budismo pode nos ajudar a reconhecer, aceitar e
abordar as questões não resolvidas, nos aceitando exatamente como nós somos.
Caso contrário, estaremos nos enganando e nos mantendo presos a pensamentos e
comportamentos disfuncionais.
O budismo entrou em minha vida após uma perda na minha saúde
física e mental. O budismo não me curou, porque continuo sendo uma pessoa cheia
de defeitos. Porém o budismo diminuiu de forma importante minha arrogância,
prepotência e minha crença de que deveria estar sempre lutando contra a morte.
E me fez compreender que somos todos iguais e que, se em algum momento estou em
situação privilegiada, isto pode ser devido ao sofrimento do outro.
No início de minha carreira médica, quando optei por praticar
exclusivamente a medicina pública, já tinha profundo respeito pelos menos
favorecidos. Depois de alguns anos de prática, o budismo me ensinou que devo
agradecer sempre aos pacientes. Foram eles, quando expuseram suas dores,
aflições e inseguranças, que me deram a oportunidade de me desenvolver, técnica
e compassivamente. Assim, penso que, quando os pacientes nos trazem suas
mazelas, todos devemos reconhecer a grande oportunidade que nos é dada, para
tentar fazer um mundo melhor para todos. Esse momento é único e precioso, e
devemos agradecer por ele, pois existimos como profissionais da saúde, a partir
do sofrimento do outro que nos foi confiado.
sim, uma por uma
todas as folhas cairão –
meus cabelos brancos
Carlos Alberto de Assis Viegas
· Graduação em Medicina
pela UnB.
· Mestrado em Pneumologia
pela UFRGS.
· Doutorado em
Fisiopatologia Respiratória pela Universitat de Barcelona.
· Pós-doutorado pela
University of Pennsylvania.
· Professor Associado da
UnB.
· Seguidor do Shin Budismo
e aprendiz de haijin (haicai).