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Objetivos do blog Medicina Tem Limites

· Mostrar que o exercício da Medicina convive com impossibilidades, precariedades, dúvidas, fragilidades e inseguranças.


· Reafirmar a crença de que a grande maioria dos médicos, mesmo com as limitações próprias da atividade, trabalham movidos pelo desejo de aliviar o sofrimento das pessoas, aplicando com ética, responsabilidade e sensibilidade o conhecimento científico produzido pela inteligência humana.


· Contribuir para desmistificar a figura do médico, presente na cultura brasileira, como um ser acima da vida e da morte, que sabe tudo, que pode tudo e a quem tudo é permitido.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

VITAMINA D – O SOL NASCEU PRA TODOS!



Luiz Claudio Castro

Um assunto muito comentado nos últimos anos é a vitamina D. Essa atenção tem seu lado bom, pois reflete o cuidado com a saúde. Temos visto, porém, um certo exagero em relação a essa preocupação com os níveis de vitamina D e uma grande ansiedade das pessoas por suplementá-la. Isso porque tem circulado uma ideia errada de que “todo mundo está com níveis baixos de vitamina D e suplementar não faz mal”. Deficiência de uma substância não é bom para o organismo, mas o excesso também é prejudicial.
As vitaminas são substâncias essenciais ao nosso organismo. Não conseguimos, porém, produzi-las em quantidade suficiente, por isso precisamos necessariamente obtê-las a partir dos alimentos. Entretanto, diferente do que acontece com as outras vitaminas, apenas 10 a 20% da  vitamina D presente no nosso corpo vem da alimentação, sendo as principais fontes os peixes gordurosos de água fria e profunda, como o salmão e atum, e os fungos comestíveis. Todo o restante é produzido por nosso próprio organismo, a partir de substâncias que estão armazenadas na nossa pele. E para que esse processo ocorra, é fundamental uma adequada exposição ao sol, pois são os raios ultravioletas B da luz solar que iniciam a ativação da vitamina D na nossa pele.
Tradicionalmente, a vitamina D é reconhecida por sua importância na saúde dos nossos ossos, pois participa do controle das quantidades de cálcio e fósforo no nosso corpo. Essa, porém, ainda é uma questão em discussão entre vários especialistas. Atualmente, o que se sabe é que a vitamina D é uma importante reguladora de funções do nosso organismo, como produção de antibióticos dentro de nossas células (protegendo-nos contra infecções provocadas por vírus, bactérias e fungos), regulação da nossa imunidade (controlando a produção de anticorpos e células de defesa que nos protegem) e  coordenação da multiplicação de algumas células (protegendo-nos contra alguns tipos de câncer).
Não está indicado usar vitamina D para se proteger do diabetes, artrite reumatoide, hipertensão arterial, ou alguns tipos de câncer. Os estudos não mostram nenhuma relação de causa-efeito entre baixos níveis de vitamina D e essas doenças. Não se devem abandonar os tratamentos bem estabelecidos, que oferecem reconhecida segurança e eficácia para esses problemas.  
A suplementação de vitamina D deve ser feita apenas nos casos de deficiência ou se houver fatores de risco para deficiência. Pessoas que vivem em locais onde a luz solar não é constante ao longo do ano, como nas regiões de clima frio e com inverno mais rigoroso, merecem receber suplementação de vitamina D, pois não conseguem ativá-la na pele. No Brasil, esse fato ocorre em algumas regiões dos estados do Sul, na época de inverno. Caso haja contraindicação à exposição solar ou dificuldade em garanti-la, e no caso de pessoas que tenham doenças e usem medicamentos que podem diminuir a quantidade de vitamina D que nosso corpo produz, está também indicada a suplementação.
Já, a prevenção contra a deficiência de vitamina D deve ser para todos, e a melhor maneira é garantir uma adequada exposição ao sol. É preciso, sim, ter cuidado com a exposição, pelo risco de câncer de pele, mas não devemos ser radicais a ponto de fugir do sol ou fazer uso exagerado dos protetores. O ponto de equilíbrio é expor-se ao sol na medida correta, pois ele é importante para nossa saúde. 
Precisamos valorizar a maneira natural de nosso corpo produzir vitamina D. Atividades físicas ao ar livre, como uma caminhada, além de fazer bem para o coração e para os ossos, permite que nosso organismo produza vitamina D. É preferível essa vitamina D naturalmente produzida à comprada em farmácias.

Os estudos mostram que não há benefício algum em suplementar vitamina D em pessoas com níveis normais. O excesso de vitamina D não é adequado e pode causar complicações, como aumento da eliminação de cálcio pela urina e formação de cálculos renais. Por que correr o risco?

Luiz Claudio Castro

·       Graduação em Medicina e em Geologia pela Universidade de Brasília
·       Residência Médica em Pediatria e em Endocrinologia Pediátrica pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina
·      Doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília
·      Professor do Departamento de Pediatria da Universidade de Brasília




sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O BUDISMO CURA?





Carlos Alberto de Assis Viegas

tenho pés e mãos
sujos de manga madura -
infância distante

Estamos acompanhando uma grande procura por templos budistas. Muitos o fazem com o objetivo de aliviar sofrimentos decorrentes de transtornos físicos ou mentais (medicalização do budismo). Outros, para se livrar do que não gostam em si mesmo, como a vulnerabilidade emocional, culpas e inseguranças, com a fantasia de que tudo vai se transformar segundo seus desejos (materialismo espiritual). Há ainda os que buscam verdades existenciais para lidar melhor com o envelhecimento, a doença e a morte e também há muitos jovens que buscam um caminho para a autorrealização e orientação para compreender as incertezas da vida.  Afinal, estamos vivendo tempos conturbados por guerras, violência, racismo, ódio, discriminação, problemas ambientais e socioeconômicos, além das doenças que nos acometem.
No que se refere a doenças, sabemos que nosso sistema imunológico consegue controlar boa parte dos desarranjos fisiológicos. Em relação às doenças crônico-degenerativas, que constituem a principal causa de morte, elas podem ser controladas com atenção médica associada a hábitos de vida saudáveis. A verdade é que todos estamos sujeitos a sofrimentos, sejam físicos, psíquicos e/ou sociais, e um dia, fatalmente encerraremos essa jornada.
Sabemos que a meditação, orações, mentalização, atenção plena, etc., feitas por um enfermo ou por seus entes queridos, melhoram as condições evolutivas dos pacientes. Parece que os enfermos, com algum foco na espiritualidade, aprendem a lidar com o sofrimento e passam a aceitar melhor as perdas, encontrando um alento para o desfecho do seu caso. 
Os profissionais de saúde, por sua vez, quando adotam práticas espirituais, passam a olhar aquele que padece, não como um doente, mas como um ser humano que necessita de cuidados. Também aprendem que, para aliviar a dor do outro, é necessário abraçar essa dor com aconchego e sofrer junto.  Isso é muito importante e aprofunda o acolhimento, mas essas práticas isoladamente não são  budismo. 
O budismo propõe uma compreensão das causas do nosso sofrimento e apresenta a possibilidade de sua transformação. Assim é que o Buda frequentemente é referido como médico, que, com seus ensinamentos, pode nos ajudar a controlar nossos distúrbios causados pelo apego, raiva e ignorância. E, como já foi dito, “se você quer curar seu corpo físico, não procure o budismo. O budismo só cura os males da sua mente: ignorância, cólera e desejos desenfreados”. 
Entendo que o budismo deve ser procurado para vivenciar novas experiências e expandir nossa capacidade mental, dirigida a um profundo entendimento da realidade tal como ela é, e que deverá ser abraçada com consciência plena. Só assim o budismo pode nos ajudar a reconhecer, aceitar e abordar as questões não resolvidas, nos aceitando exatamente como nós somos. Caso contrário, estaremos nos enganando e nos mantendo presos a pensamentos e comportamentos disfuncionais. 
O budismo entrou em minha vida após uma perda na minha saúde física e mental. O budismo não me curou, porque continuo sendo uma pessoa cheia de defeitos. Porém o budismo diminuiu de forma importante minha arrogância, prepotência e minha crença de que deveria estar sempre lutando contra a morte. E me fez compreender que somos todos iguais e que, se em algum momento estou em situação privilegiada, isto pode ser devido ao sofrimento do outro. 
No início de minha carreira médica, quando optei por praticar exclusivamente a medicina pública, já tinha profundo respeito pelos menos favorecidos. Depois de alguns anos de prática, o budismo me ensinou que devo agradecer sempre aos pacientes. Foram eles, quando expuseram suas dores, aflições e inseguranças, que me deram a oportunidade de me desenvolver, técnica e compassivamente. Assim, penso que, quando os pacientes nos trazem suas mazelas, todos devemos reconhecer a grande oportunidade que nos é dada, para tentar fazer um mundo melhor para todos. Esse momento é único e precioso, e devemos agradecer por ele, pois existimos como profissionais da saúde, a partir do sofrimento do outro que nos foi confiado.
sim, uma por uma
todas as folhas cairão –
meus cabelos brancos

Carlos Alberto de Assis Viegas
·      Graduação em Medicina pela UnB. 
·      Mestrado em Pneumologia pela UFRGS.
·      Doutorado em Fisiopatologia Respiratória pela Universitat de Barcelona.
·      Pós-doutorado pela University of Pennsylvania. 
·      Professor Associado da UnB.

·      Seguidor do Shin Budismo e aprendiz de haijin (haicai).