COMO SER MÉDICO NO SÉCULO XXI?
Marcus Vinicius
Um dia desses,
atendi um paciente de 55 anos de idade. Ao entrar no consultório, sentou-se e colocou
uma sacola cheia de exames em cima da mesa.
Perguntei: “Como posso ajudar o senhor?”
Com um olhar angustiado, ele respondeu: “Procurei um cardiologista
porque estava sentindo dores no peito durante minhas caminhadas matinais. Como
tenho casos de problema cardíaco na família, fiquei preocupado e resolvi
investigar. Fiz um cateterismo que mostrou veia entupida no coração. Disseram
que tenho que colocar stent, uma espécie de molinha, para desobstruir a veia. Gostaria
de pegar uma segunda opinião porque li no jornal, um artigo recente, que dizia
que essas molinhas não são tão boas quanto imaginamos. Agora não sei o que
fazer!”
Fiz faculdade no
século passado, me formei e iniciei minha vida profissional no século XXI. Durante
a graduação, ia até a biblioteca em busca de artigos científicos com novidades.
Encontrava livros da década de setenta e, com muita sorte, dos anos oitenta.
Essa era a realidade da minha Universidade.
Tive meu primeiro contato
com a internet no internato, nos anos 2000. Naquela época, a navegação na rede
se dava através das conexões discadas, muito lentas. Demorava horas para você
abrir um simples e-mail.
A única forma de se
manter atualizado era por assinatura de revistas estrangeiras que recebíamos pelo
correio. Quando chegavam, porém, essas publicações não traziam mais nenhuma
novidade e muitas verdades já tinham sido derrubadas por novas evidências.
No século passado,
o médico era dono de uma verdade absoluta, inquestionável. O paciente era
passivo e não se permitia questionar uma palavra sequer. O Doutor tinha uma
espécie de poder divino que proporcionava uma previsão de eventos futuros, sem
levar em conta probabilidades e incertezas.
O desenvolvimento tecnológico e a massificação
da internet, no século XXI, promoveram uma grande mudança de paradigma em todas
as áreas do conhecimento humano. A democratização da informação, propiciada
especialmente com a popularização de ferramentas de busca na internet como o
Google, trouxe, dentre outras consequências, a fragilização do poder que se
estabelecia no passado apenas por se ter acesso privilegiado à informação
especializada. Hoje as verdades duram muito pouco, por conta da grande
velocidade de transmissão das informações e da facilidade de acesso a essas
informações.
Atualmente é comum
atendermos pacientes que chegam com diagnósticos prontos, pedindo para
solicitarmos determinados exames complementares para confirmar sua hipótese ou,
como neste exemplo, vem pedir uma outra opinião por ter informações atualizadas
sobre sua doença.
Vemos que existe hoje mais participação do paciente em
relação à investigação e à terapêutica de sua patologia. O artigo comentado pelo meu paciente refere-se
ao ensaio clínico inglês, publicado na revista Lancet, chamado Orbita.
(http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(17)32714-9/fulltext)
(http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(17)32714-9/fulltext)
Esse estudo, que
foi conduzido com todo rigor científico necessário, mostrou que pacientes que
tinham lesões (obstruções) coronarianas graves e que foram submetidos à
angioplastia com implante de stents (“molinhas”)
não tiveram um melhor controle da angina (dor no peito) em relação ao outro
grupo que fez tratamento com medicamentos e sem angioplastia. Nesse estudo, não
foram incluídos pacientes com as chamadas síndromes coronarianas agudas que
incluem o infarto agudo do miocárdio e angina instável.
Essas informações
devem ser compartilhadas com os pacientes pois esses estudos resultaram em mudança
de uma conduta que era rotineira e adotada durante muitos anos. Lesões
obstrutivas coronárias, mesmo estáveis, eram sinônimo de tratamento com stent.
No caso do paciente
acima citado, conversamos e tomamos a decisão de manter o tratamento medicamentoso
com rigoroso controle dos fatores de risco para doença coronariana, além de
modificações no estilo de vida e retornos periódicos ao consultório.
Em tempos de compartilhamento
rápido de informações, vulgarização do conhecimento acadêmico e constantes
mudanças, estamos caminhando e aprendendo a lidar com os desafios de exercer a
profissão de médico no século XXI.
-o-