Uma pergunta muito comum que ouço no
consultório é se eu, como médico, acredito na eficiência de um determinado procedimento
ou de um medicamento específico.
Uma das últimas vezes em que recebi essa
pergunta foi de uma senhora idosa, que me relatou o seguinte: embora estivesse
em bom estado de saúde, teve uma dor no peito. Achou por bem consultar seu cardiologista.
Mesmo que fosse baixo o risco de ocorrer algo grave com a senhora,o
cardiologista, preocupado, solicitou um exame ultramoderno que detecta quanto
de cálcio temos nas coronárias.
Esse exame, chamado escore de cálcio, apresentou
nível elevado de cálcio nas coronárias. Em geral, isso indica a possibilidade
da existência de alguma lesão nas coronárias e é uma informação importante que
deve ser considerada juntamente com outras informações sobre o estado geral do
examinado.
O próximo passo foi a solicitação de um
cateterismo cardíaco. A senhora estava tão bem que se recusou a fazer esse
último exame. E continua muito bem. Foi a partir dessa experiência que ela me
perguntou, referindo-se aos exames solicitados a ela, como nós médicos sabemos
se algo funciona ou não. A resposta é complicada...
A grande maioria das informações sobre
novos medicamentos e exames vem de estudos científicos patrocinados por seus fabricantes.
E, claro, eles têm um enorme interesse em que seu produto seja bom e venda bem.
Afinal, há uma grande soma de dinheiro envolvida no desenvolvimento desses
produtos e uma grande expectativa de lucro por parte dos acionistas dessas
empresas.
Para saber se tudo está certo com esses
estudos, há agências especializadas na análise de pesquisas e na interpretação
de seus resultados. A mais importante em todo o mundo é o FDA (U.S. Food and Drug
Administration ), órgão do governo dos Estados Unidos, cuja função é controlar alimentos e medicamentos por meio de diversos
testes e pesquisas. Seus pareceres são usados no mundo todo. Nossa agência aqui
no Brasil é a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Sobre esse tema, há detalhes científicos
bem complexos nos quais não vou entrar aqui, mas recentemente impactou muito
minha opinião um estudo publicado em
abril deste ano e disponível em www.bmj.com/content/350/bmj.h2613.
Chang e colaboradores (EUA) mostraram que
muitos dos equipamentos cardiológicos, cujo uso é de alto risco para os
pacientes, não têm os seus estudos publicados e disponíveis para leitura. E pior
ainda: dos estudos que são publicados, muitos apresentam dados diferentes
daqueles que foram submetidos para a aprovação ao FDA. No seu conjunto, isso
sugere que há falsidade no que é apresentado sobre alguns equipamentos.
E como saber se um estudo é confiável? Como
conhecer os riscos reais de um equipamento?
Que resposta eu poderia dar para aquela senhora?
Também neste ano, revistas médicas internacionais
de alta relevância publicaram uma retirada de publicações científicas de um
pesquisador, Dr.Ranjit Kumar Chandra,
que desde a década de 80 estudava fórmulas nutricionais pediátricas e alergias.
Uma investigação longa e detalhada mostrou que algumas de suas publicações eram
possíveis fraudes. Seus achados, que influenciaram a alimentação infantil e o
lucro de grandes empresas internacionais, podem ter sido forjados para
beneficiar a venda desses produtos.
A resposta que dei para a senhora foi que
nós, médicos, seguimos as orientações dos órgãos regulatórios, com um bom grau
de ceticismo. Em geral, tudo que é muito novo e com custo elevado precisa dormir
um pouco nas prateleiras para que saibamos de sua segurança.
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