Pesquisar este blog

Objetivos do blog Medicina Tem Limites

· Mostrar que o exercício da Medicina convive com impossibilidades, precariedades, dúvidas, fragilidades e inseguranças.


· Reafirmar a crença de que a grande maioria dos médicos, mesmo com as limitações próprias da atividade, trabalham movidos pelo desejo de aliviar o sofrimento das pessoas, aplicando com ética, responsabilidade e sensibilidade o conhecimento científico produzido pela inteligência humana.


· Contribuir para desmistificar a figura do médico, presente na cultura brasileira, como um ser acima da vida e da morte, que sabe tudo, que pode tudo e a quem tudo é permitido.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

BRIGADEIRO PODE!





Brigadeiro pode!
Suely Keiko Kohara

Ter um filho é o maior exercício de amor incondicional. Mas, embora saibamos que um pouco de dor e sofrimento são ingredientes necessários para o seu amadurecimento, nós (mães e pais) gostaríamos de livrar nossos filhos de todos os males.

Na busca por evitar que adoeçam, oferecemos alimentos saudáveis, incentivamos a prática de atividade física, levamos ao pediatra regularmente e damos as vacinas necessárias. Práticas certamente muito eficientes. Alguns pais, porém, excedem esses cuidados básicos e querem, por exemplo, dar suplementação de vitaminas ou pedir exames, mesmo quando não são necessários.
Sobre exames, nós, pediatras, muitas vezes somos forçados a solicitá-los apenas para tranquilizar os pais, que temem que seu filho tenha alguma doença ainda não revelada. Já ouvi de algumas mães que trocaram de médico porque o anterior não pedia exames...
Mas qual o problema de se fazerem exames? Não é bom saber se existe algo que o médico não está percebendo? Existe alguma contraindicação em se fazerem exames indiscriminadamente?
Existe sim!
O risco de um deles vir alterado, ou seja, de dar “positivo”, mesmo na ausência de doenças, existe e aumenta quanto maior o número de exames realizados. Sem falar dos exames de imagem, que podem revelar os “incidentalomas”, que são “achados” sem repercussão clínica (como alguns cistos no rim, por exemplo). Ou seja, a pessoa pode passar a vida toda com esses cistos mostrados no exame sem ter qualquer problema. E além dos alarmes e preocupação desnecessária com alguns resultados, é preciso lembrar que exames como tomografia expõem o indivíduo a uma carga de radiação até 700 vezes maior que a de uma radiografia comum, a qual, já se sabe, não é totalmente inócua.
Entendo a preocupação dos pais. Eles insistem nos exames, com medo de uma doença silenciosa que poderia ser evitada o quanto antes. Uma dessas doenças é o diabetes, pois sabemos que metade das pessoas com diabetes do tipo 2 não sabe que tem a doença. Isso é verdade para adultos, mas não para crianças. O diabetes que mais afeta as crianças e adolescentes é o do tipo 1, que causa muita sede, urina em excesso, emagrecimento e fraqueza. Elas podem ter diabetes do tipo 2 se estiverem acima do peso. Portanto, só se deve fazer exame de glicose se a criança estiver acima do peso ou com algum dos sintomas citados.
O exame, bem indicado, é uma ferramenta complementar de diagnóstico muito importante. Seu resultado, porém, não deveria ser a única informação a orientar a decisão médica. O foco exclusivo nos resultados de um exame, sem considerar o estado geral do examinado, pode levar a diagnósticos equivocados.
Foi o que aconteceu com um menino que atendi há alguns meses em meu consultório. Ele tinha recebido um diagnóstico errôneo de diabetes. Mesmo sem ter qualquer sintoma, baseado apenas em um exame alterado, o menino foi orientado a não comer mais qualquer tipo de doce.  Emagreceu muito, ficou triste, a família deixou de frequentar as reuniões festivas para que ele não passasse vontade, até que um parente sugeriu que buscassem uma segunda opinião.
O exame realmente apresentava uma dosagem de glicose um pouco acima do normal, mas o garoto não tinha sintomas de diabetes! Expliquei para os pais que costumo tratar o paciente e não os exames, e liberei a dieta. Nunca vou me esquecer do sorriso no rosto daquele menino quando soube que ia poder comer brigadeiro de novo! Um novo exame, feito algum tempo depois da liberação da dieta, mostrou níveis normais de glicose.
Fico pensando em quantos pacientes são encaminhados a especialistas por causa de exames alterados e que muitas vezes não eram necessários. E por causa disso, são levados e fazer mais e mais exames, para tentar descobrir o que levou a essa alteração, até se ter a certeza de que era apenas um exame anormal numa pessoa normal.

Suely Keiko Kohara   

- Graduação em Medicina (UFPR - 1986).
- Residência em Pediatria e Endocrinologia Pediátrica (HC-UFPR).
- Mestrado em Saúde da Criança e do Adolescente (HC-UFPR)
- Fellow em Endocrinologia Pediátrica (Sheffield Children’s Hospital - Inglaterra).
- Professora do Curso de Medicina da Universidade da Região de Joinville.

-o-


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradecemos seu comentário!