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Objetivos do blog Medicina Tem Limites

· Mostrar que o exercício da Medicina convive com impossibilidades, precariedades, dúvidas, fragilidades e inseguranças.


· Reafirmar a crença de que a grande maioria dos médicos, mesmo com as limitações próprias da atividade, trabalham movidos pelo desejo de aliviar o sofrimento das pessoas, aplicando com ética, responsabilidade e sensibilidade o conhecimento científico produzido pela inteligência humana.


· Contribuir para desmistificar a figura do médico, presente na cultura brasileira, como um ser acima da vida e da morte, que sabe tudo, que pode tudo e a quem tudo é permitido.

sábado, 2 de abril de 2016

MEDICINA E COMPAIXÃO


Carlos Alberto de Assis Viegas
Dia das crianças
Com os olhos marejados
A mãe guarda a foto
Um dos mais importantes objetivos da Medicina é aliviar ou, quando possível, terminar com o sofrimento dos pacientes, seja esse sofrimento decorrente de condições físicas, psíquicas ou mesmo sociais. Na busca desse objetivo, graças à evolução técnica da prática médica, poderemos, a médio prazo, chegar à possibilidade de usarmos um aparelho no pulso, como um relógio, que detectará alterações importantes dos níveis de glicose no sangue, da pressão arterial, por exemplo, ou poderemos também colocar profilaticamente um marca-passo cardíaco ou um desfibrilador. Nessa situação, registrado um problema pelas máquinas, poderíamos entrar em contato com um centro médico virtual que nos orientaria o que fazer.
Entendo que, ainda que tudo seja controlado de forma técnica, os pacientes necessitarão de algum contato físico com um profissional da saúde. Sempre haverá algo no paciente, não relacionado com a máquina física do organismo, que poderá continuar provocando sofrimento. Digo isso porque acredito que a sensação de bem-estar, ou a ausência de sofrimento, passa necessariamente por um equilíbrio entre corpo, mente e espírito. Se, na atualidade, ainda sem essas maravilhas tecnológicas, já nos queixamos de muitos médicos que não fazem um contato adequado com a maioria dos seus pacientes, podemos imaginar o que poderá vir a ser uma relação médico-paciente numa situação com alto desenvolvimento tecnológico.
O Budismo tem como um de seus mais importantes pilares a noção de que a vida é sofrimento e que esse sofrimento decorre da ignorância ou não compreensão da impermanência, da interdependência e da fragilidade do eu. É importante compreendermos a natureza transitória de tudo que existe e, especialmente, aceitarmos que, assim como as estações do ano cumprem um ciclo contínuo de morte e renovação, nós, seres humanos, nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos.
Também é preciso lembrar a nossa natureza interdependente. Somos parte de uma totalidade e estamos aqui porque existiram causas, condições e efeitos para surgirmos nesta existência. Necessitamos de cooperação e interação, pois dependemos uns dos outros para nossa sobrevivência, como de abrigo, comida, recursos, etc. A fragilidade do eu, por sua vez, é decorrente da falta de autoconhecimento, pois temos um eu ilusório, forjado pela família, sociedade e cultura, que nos impede de nos reconhecermos como realmente somos e de ver a vida como ela verdadeiramente é.
Voltando aos médicos que têm um relacionamento apenas técnico com os pacientes, penso que talvez lhes falte um pouco de espiritualidade, entendida como a percepção de que existe algo que transcende o material/físico. Talvez lhes falte capacidade de sentir os próprios sentimentos ou a percepção de que existe uma ligação necessária entre a parte física e a mental e que o coração e a mente são interdependentes. Talvez falte ainda a esses profissionais saber que a espiritualidade pode ser potencializada pelo autoconhecimento.
Quem sabe, a partir daí, esses médicos teriam a compreensão de que todos os seres têm direito à felicidade. Quem sabe então poderiam exercitar a compaixão, entendida como a atitude de ouvir o outro, sensibilizar-se com sua dor e criar condições para retirá-lo da situação de sofrimento.
Parece-nos, finalmente, que é fundamental para quem se propõe a cuidar do outro, além do entendimento da impermanência e transitoriedade de tudo, ter consciência dos limites humanos em relação à morte, o que significa aceitar que a principal missão do médico não é pretender a vitória sobre a morte, mas sim buscar alívio para o sofrimento do paciente.
Paro outra vez
Frente ao jardim de camélias –
Saudades da avó
-o-
Carlos Alberto de Assis Viegas
·      Graduação em Medicina pela UnB.
·      Mestrado em Pneumologia pela UFRGS.
·      Doutorado em Fisiopatologia Respiratória pela Universitat de Barcelona.
·      Pós-doutorado pela University of Pennsylvania.
·      Professor Associado da UnB.

·      Seguidor do Shin Budismo e aprendiz de haijin (haicai).



2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Concordo muito com o autor. Como profissional, sempre acreditei que a "conversa com os olhos" entre médico e paciente estabelece uma relação de confiança e potencializa o tratamento.No campo pessoal, por diversas vezes fui solicitado por parentes/amigas com diagnóstico recente de câncer de mama, a lhes indicar um mastologista que eu confiasse. Como conheço dois, igualmente excelentes sob o enfoque técnico, mas completamente diferentes quanto ao tipo de abordagem, sempre lhes pergunto o que esperam do profissional. O primeiro é cirúrgico, preciso, cortante, e acaba por passar uma impressão fria e impessoal. O segundo é acolhedor, e sabe administrar os silêncios. Sem carregar nas tintas, exponho ambos os perfis, e arremato com a pergunta: "você prefere um médico que faça o que é necessário, ou alguém que também te pegue no colo"? Todas preferiram o segundo. Nenhuma voltou se dizendo arrependida. Me parece que é inerente à condição humana preferir que, quando a realidade é dura demais, ela se revele em capítulos. E para corresponder a esta necessidade, médico e paciente precisam se relacionar muito além de tecnicismos. E pensar que já trabalhei em uma UBS em que um colega, certamente por não entender essa dimensão do que é atender, retirava propositadamente do consultório a cadeira do paciente, para que o consequente desconforto tornasse a consulta ainda mais breve que os poucos 15 minutos que a agenda permitia.
    Hamilton H. Pompeu

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