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Objetivos do blog Medicina Tem Limites

· Mostrar que o exercício da Medicina convive com impossibilidades, precariedades, dúvidas, fragilidades e inseguranças.


· Reafirmar a crença de que a grande maioria dos médicos, mesmo com as limitações próprias da atividade, trabalham movidos pelo desejo de aliviar o sofrimento das pessoas, aplicando com ética, responsabilidade e sensibilidade o conhecimento científico produzido pela inteligência humana.


· Contribuir para desmistificar a figura do médico, presente na cultura brasileira, como um ser acima da vida e da morte, que sabe tudo, que pode tudo e a quem tudo é permitido.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

MÉDICO OU RECEITADOR DE REMÉDIO?



Anderson Roman
                                        
Formado há 27 anos, ainda não vi tudo o que de surpreendente o mercado da Medicina pode inventar. É “mercado “ mesmo a palavra correta, pois se trata de produção, comercialização e lucro.
Me lembro que, quando me formei, a grande maioria dos colegas não pensava muito em dinheiro. Atender o paciente era o foco e dali se extrairia o ganho para viver. Simples:  Medicina é uma das profissões que melhor remunera e não falta trabalho para o médico. Quem quer trabalhar muito ganha muito. Quem quer trabalhar pouco... também ganha muito bem. A profissão tem seus problemas, mas não se vê médico passando necessidades. Longe disso!
Assim como boa parte dos colegas que conheço,  direciono minhas orientações e recomendações para o bem-estar do paciente. Existe, porém, um mecanismo mercadológico, atuando por trás da ação dos médicos, que deturpa a missão médica. Imagino que isso seja facilitado por existirem profissionais  que priorizam a remuneração e pouco valorizam a atualização.  Explico melhor a seguir.
Certa vez consultei um colega/amigo por um problema meu de saúde. Fui muito bem tratado e recebi uma prescrição específica, que me fez muito bem e melhorei. Mas me surpreendi ao ir comprar o medicamento na farmácia (havia muitos anos não passava por essa experiência): a atendente anotou o CRM do médico que havia receitado a medicação. Eu perguntei a razão disso e ela me informou que era prática das farmácias informar aos laboratórios quais médicos prescreviam determinados medicamentos.
Jamais imaginei que existisse tal mecanismo, simples, de monitorar qual médico prescreve o quê. No site outraspalavras.net1  , há um excelente artigo traduzido do Le Monde Diplomatique que explica com detalhes esses interesses. Para maximizar o volume de negócios e cumprir suas metas, os gerentes de produtos dos laboratórios monitoram as vendas em cada farmácia e controlam até os médicos que prescrevem seus medicamentos. E a estratégia se complementa com a ação de uma legião de representantes comerciais do laboratório que saem a campo, muito bem preparados para desenvolver abordagens específicas para cada perfil de médico.
Há muitos anos, comentei com um representante de um laboratório de alguns medicamentos muito caros, ligados ao transplante renal, que os representantes normalmente trazem informações que eu já conheço e que certamente deveriam ser também do conhecimentos de muitos médicos. Como boa parte  dos colegas, acompanho sempre as novidades da minha área, o que é facilmente encontrado na internet em sites de entidades confiáveis, além de receber e-mails com as atualizações já separadas por área de interesse.
O representante disse algo estarrecedor (para mim): mais de 80% dos médicos que o laboratório dele visitava somente tomavam conhecimento dos medicamentos através da propaganda do representante. E prescreviam os medicamentos conforme orientados pelo representante.
Não sei quando foi que a Medicina se tornou tão diferente daquela profissão que eu escolhi quando iniciei minha carreira e que, felizmente, muitos médicos, acredito, ainda praticam até hoje. O que me consola é reconhecer que o profissional que se sujeita a ser apenas mais um elo do mercado da indústria farmacêutica talvez não seja médico, mas apenas um mero prescritor.  O problema é que no meio dessa operação de marketing está a saúde e a vida de seres humanos.
-o-


Um comentário:

  1. Conheci um desses representantes farmacêuticos e pude ver pessoalmente ele num final de ano envolvido em "dar nota" aos ditos me(r)dicos, notas essas que seriam traduzidas em premiações natalinas.

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