Formado há 27 anos, ainda não vi tudo o que de surpreendente
o mercado da Medicina pode inventar. É “mercado “ mesmo a palavra correta, pois
se trata de produção, comercialização e lucro.
Me lembro que, quando me formei, a grande maioria dos
colegas não pensava muito em dinheiro. Atender o paciente era o foco e dali se
extrairia o ganho para viver. Simples: Medicina
é uma das profissões que melhor remunera e não falta trabalho para o médico.
Quem quer trabalhar muito ganha muito. Quem quer trabalhar pouco... também
ganha muito bem. A profissão tem seus problemas, mas não se vê médico passando
necessidades. Longe disso!
Assim como boa parte dos colegas que conheço, direciono minhas orientações e recomendações
para o bem-estar do paciente. Existe, porém, um mecanismo mercadológico, atuando
por trás da ação dos médicos, que deturpa a missão médica. Imagino que isso
seja facilitado por existirem profissionais
que priorizam a remuneração e pouco valorizam a atualização. Explico melhor a seguir.
Certa vez consultei um colega/amigo por um problema meu de
saúde. Fui muito bem tratado e recebi uma prescrição específica, que me fez
muito bem e melhorei. Mas me surpreendi ao ir comprar o medicamento na farmácia
(havia muitos anos não passava por essa experiência): a atendente anotou o CRM
do médico que havia receitado a medicação. Eu perguntei a razão disso e ela me
informou que era prática das farmácias informar aos laboratórios quais médicos
prescreviam determinados medicamentos.
Jamais imaginei que existisse tal mecanismo, simples, de
monitorar qual médico prescreve o quê. No site outraspalavras.net1 ,
há um excelente artigo traduzido do Le Monde Diplomatique que explica com
detalhes esses interesses. Para maximizar o volume de negócios e cumprir suas
metas, os gerentes de produtos dos laboratórios monitoram as vendas em cada
farmácia e controlam até os médicos que prescrevem seus medicamentos. E a
estratégia se complementa com a ação de uma legião de representantes comerciais
do laboratório que saem a campo, muito bem preparados para desenvolver
abordagens específicas para cada perfil de médico.
Há muitos anos, comentei com um representante de um
laboratório de alguns medicamentos muito caros, ligados ao transplante renal, que
os representantes normalmente trazem informações que eu já conheço e que
certamente deveriam ser também do conhecimentos de muitos médicos. Como boa
parte dos colegas, acompanho sempre as
novidades da minha área, o que é facilmente encontrado na internet em sites de
entidades confiáveis, além de receber e-mails com as atualizações já separadas
por área de interesse.
O representante disse algo estarrecedor (para mim): mais de
80% dos médicos que o laboratório dele visitava somente tomavam conhecimento
dos medicamentos através da propaganda do representante. E prescreviam os
medicamentos conforme orientados pelo representante.
Não sei quando foi que a Medicina se tornou tão diferente
daquela profissão que eu escolhi quando iniciei minha carreira e que,
felizmente, muitos médicos, acredito, ainda praticam até hoje. O que me consola
é reconhecer que o profissional que se sujeita a ser apenas mais um elo do
mercado da indústria farmacêutica talvez não seja médico, mas apenas um mero prescritor.
O problema é que no meio dessa operação
de marketing está a saúde e a vida de seres humanos.
-o-
Conheci um desses representantes farmacêuticos e pude ver pessoalmente ele num final de ano envolvido em "dar nota" aos ditos me(r)dicos, notas essas que seriam traduzidas em premiações natalinas.
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