Renata Almeida
Este artigo vem problematizar questões
pertinentes aos profissionais que constroem o Sistema Único de Saúde e a política
de atenção básica à saúde. Mesmo que o SUS esteja sob forte crise e risco iminente
de desmonte, achamos pertinente seguir com esta escrita como forma de
resistência e fortalecimento de uma prática médica mais humana e engajada na
sustentação de direitos à saúde e
aos cuidados médicos.
O trabalho em uma comunidade supõe a
“leitura” do território. Milton
Santos, geógrafo urbano brasileiro, nos ensinou que território compreende o chão e mais a
população, sua história e suas relações. É o espaço coletivo onde a vida de um
povo acontece. Os territórios são vivos,
possuem características próprias e cultura diferenciada em cada localidade.
Neles, os laços afetivos constroem redes de sobrevivência.
Reconhecer quais são essas relações que permeiam o território é essencial para uma intervenção exitosa. O mapeamento afetivo de um território permite que os profissionais que ali circulam tenham uma rede onde apoiar seus planos de ação. É necessário que o médico possa circular pela comunidade, conversar, estabelecer relações com quem ali trabalha e vive.
Reconhecer quais são essas relações que permeiam o território é essencial para uma intervenção exitosa. O mapeamento afetivo de um território permite que os profissionais que ali circulam tenham uma rede onde apoiar seus planos de ação. É necessário que o médico possa circular pela comunidade, conversar, estabelecer relações com quem ali trabalha e vive.
Muitas vezes, temos pacientes cuja história
de vida é puro desamparo e não sabemos de onde tiram forças para seguir adiante.
Diante dessas histórias, nos perguntamos: onde essa pessoa se segura? Onde está
o laço afetivo que a mantém viva? O que faz com que essa pessoa não desista de
viver? Onde esses sujeitos se reconhecem como cidadãos? Onde eles encontram
apoio? Será na igreja? Onde o valor da vida se encontra? Nos amigos de bar, na
vizinha da esquina, ou no seu cachorro?
Jorge Broide, psicanalista que estuda a
transferência em situações de vulnerabilidade social, nos aponta a necessidade
de reconhecer onde os sujeitos têm os seus pontos de ancoragem no território. Pontos de ancoragem são os nós dessa rede
afetiva e territorial onde o sujeito encontra um lugar possível de sustentação
para sua vida. Eles devem ser mapeados e
reconhecidos pelas equipes e pelo médico que acompanham esse paciente.
Mas porque estamos falando de território,
pontos de ancoragem e transferência? O que o trabalho médico tem a ver com tudo
isso
Como é possível, por exemplo, construir uma
intervenção com um idoso diabético insulinodependente que vive só, sem
familiares? Quem são as pessoas com quem ele conta no seu dia a dia? Será a
adolescente filha da vizinha que o acompanha à farmácia? Será a dona da
quitanda na outra esquina que sabe o que ele come? Basta a prescrição da dose
correta de insulina e sua distribuição no posto para o sucesso da intervenção
médica?
Escutar a história dos pacientes e
compreender como circulam na vida, nos ajuda a construir um tratamento mais
eficaz, mais próximo da realidade desses sujeitos. Circular pelo território nos
permite fortalecer laços de fraternidade e cooperação entre aqueles que ali se
encontram. Reconhecer quem são os pontos de ancoragem de nossos pacientes e, nesse
movimento, reconhecê-los como partícipes da intervenção, pode mudar
prognósticos. Acompanhar os colegas de equipe, assistentes sociais, psicólogos,
enfermeiros e agentes de saúde em visitas domiciliares é essencial para que o
saber médico se presentifique na vida da comunidade de forma capilar e
transformadora.
Se o território é vivo e nele pulsam as
relações humanas, como poderia um médico ali intervir sem por ele andar, sem
nele se interrogar, sem por ele ser transformado? O limite do nosso ofício aqui se encontra
com o limite de outras ciências que podem muito nos orientar no chão do
território: sociologia, geografia urbana, antropologia, psicanálise e história.
E, no encontro desses saberes, é possível a costura da vida e das intervenções.
-o-
Renata Almeida
● Formada em Medicina pela UFPR (1988).
● Especialista em Homeopatia pela Associação
Médica Homeopática Brasileira.
● Psicanalista. Membro da Associação Psicanalítica
de Porto Alegre (APPOA) e do Instituto APPOA.
● Coordenadora do Projeto Casa dos Cata-Ventos em
Porto Alegre.
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