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Objetivos do blog Medicina Tem Limites

· Mostrar que o exercício da Medicina convive com impossibilidades, precariedades, dúvidas, fragilidades e inseguranças.


· Reafirmar a crença de que a grande maioria dos médicos, mesmo com as limitações próprias da atividade, trabalham movidos pelo desejo de aliviar o sofrimento das pessoas, aplicando com ética, responsabilidade e sensibilidade o conhecimento científico produzido pela inteligência humana.


· Contribuir para desmistificar a figura do médico, presente na cultura brasileira, como um ser acima da vida e da morte, que sabe tudo, que pode tudo e a quem tudo é permitido.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

APENAS MAIS UM NOME NA LISTA DO CONVÊNIO



Anderson Roman

A base do cuidado médico é a relação médico-paciente. E essa relação está pautada na confiança que nós depositamos naquele profissional que procuramos quando sentimos que temos algum problema de saúde. Afinal, ele vai colocar as mãos em nós, nos dar conselhos, sugestões, recomendações, prescrever medicações, sugerir condutas, indicar uma operação, etc. Enfim, para ouvir de um médico coisas que não gostaríamos de ouvir, por serem desagradáveis, ainda que necessárias e verdadeiras, é preciso confiar. Será assim para todos?

Quando eu estava na Faculdade de Medicina, imaginava como seria minha vida profissional como médico e pensava em como seria bom ter o reconhecimento das pessoas que eu atenderia. Creio que essa é uma importante motivação para os médicos e é o que nos leva a buscar desenvolvimento constante e não parar de estudar, ler, reler, debater,  pesquisar, produzir artigos... tudo isso para aprimorarmos nossa  competência e construir uma relação de confiança com nossos pacientes e merecer o seu reconhecimento.

Faço consultório há mais de 20 anos e ainda me surpreendo quando vejo que nem todos os pacientes valorizam essa relação de confiança que eu e muitos médicos prezamos tanto e tampouco se preocupam em reconhecer o bom atendimento que recebem.

Inúmeras vezes pergunto a pacientes sobre seu histórico de atendimento e quais médicos os atenderam. Isso tem alguma relevância, por exemplo, para termos uma ideia da técnica cirúrgica adotada. Não é incomum ouvir a resposta: “não lembro o nome do médico que me operou”.

Imagine uma pessoa que teve, por exemplo, seu estômago operado por um médico que o assistiu antes da cirurgia, que discutiu com ele os exames, indicou e explicou os riscos, os benefícios, as chances, bem como o viu por algum tempo após a cirurgia, para ver os resultados, se tudo correu bem e, após tudo isso, não se lembrar do nome. Será que é possível confiar em alguém de quem você sequer sabe o nome?

Confesso que é difícil aceitar que alguém possa ter esquecido o nome de quem o viu por dentro, que mexeu nas suas vísceras com sua autorização. Em geral, a complementação da resposta é mais triste ainda: “mas lembro que atendia pelo convênio ...”.

“Convênio” em geral se refere ao plano de saúde ou seguro saúde que o usuário/paciente tem e utiliza para pagar suas despesas médicas. Mudar de convênio, por força do empregador, por exemplo, é rotineiro. Por conta dessa mudança, os pacientes deixam de ter o acesso a seus médicos tradicionais quando estes não atendem pelo novo convênio. Se quisessem continuar com o mesmo médico teriam que optar pelo pagamento particular. A maior parte, porém, não pode arcar com o custo do atendimento médico sem o convênio.

Assim, a troca de médico se torna rotina e a identificação com aquele profissional e a relação médico-paciente construída ao longo do tempo se perdem. Os convênios listam os médicos que atendem pelo seu plano de saúde, em geral, em ordem alfabética, divididos por especialidades. Recebi muitos pacientes que me procuraram por eu ser o primeiro da lista do convênio (letra “A”) – hoje já sou o segundo da lista...

A lógica perversa desse sistema é que o convênio assume o papel de cuidador no imaginário dos usuários. Esse é um limite da profissão para o qual não estava preparado e ainda estranho.

-o-


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