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Objetivos do blog Medicina Tem Limites

· Mostrar que o exercício da Medicina convive com impossibilidades, precariedades, dúvidas, fragilidades e inseguranças.


· Reafirmar a crença de que a grande maioria dos médicos, mesmo com as limitações próprias da atividade, trabalham movidos pelo desejo de aliviar o sofrimento das pessoas, aplicando com ética, responsabilidade e sensibilidade o conhecimento científico produzido pela inteligência humana.


· Contribuir para desmistificar a figura do médico, presente na cultura brasileira, como um ser acima da vida e da morte, que sabe tudo, que pode tudo e a quem tudo é permitido.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

CÁLCIO: MELHOR PROS OSSOS, PIOR PRO CORAÇÃO



CÁLCIO: MELHOR PROS OSSOS, PIOR PRO CORAÇÃO

Angelmar Constantino Roman
Osteoporose, no Brasil ensolarado, não tem a importância que tem nos países frios do hemisfério norte. Mesmo assim, as recomendações feitas para aquela realidade, diferente da nossa, ainda são seguidas aqui nos trópicos. Tanto, que muitas crianças de Curitiba saem da maternidade tomando vitamina A e D, para evitar raquitismo, doença que se caracteriza pela mineralização insuficiente dos ossos e que não tem a mínima importância pra nós. A justificativa é que em Curitiba, assim como na Europa, não tem sol...
A forma mecanicista que utilizamos para organizar nossa percepção do mundo às vezes nos prega peças, como no caso dessas reposições equivocadas de nutrientes com a ilusão preventiva. Foi Galileu (séc. XVI-XVII) quem propôs que as coisas do mundo seguiam uma regularidade universal e poderiam ser classificadas segundo suas características quantificáveis. Essa matematização do mundo deixou de lado tudo o que não fosse possível contar, pesar ou medir, considerado como algo menor ou sem importância.
Vamos ver até onde pode nos levar essa plataforma conceitual, que estabelece relações mecanicistas, quando aplicada especificamente nas abstrações sobre saúde.
A osteoporose no hemisfério norte passou a ser uma preocupação importante, do ponto de vista epidemiológico, como causa de sofrimento e morte. Como aqui gostamos de ser mais elegantes do que tropicais, passamos a fazer parte desse coro, mesmo sem a necessária fundamentação em pesquisas.
O envelhecimento da nossa população não é prevalentemente acompanhado de fraturas, mas apenas de alteração na densidade óssea, o que é próprio do envelhecer.  Mas o que foi disseminado é a crença distorcida de que com a osteoporose estaremos fadados a ter fraturas. Decorrente disso, mecanicamente vamos tomar cálcio, já que osso é feito de cálcio.
Na verdade, se o consumo de cálcio fosse a peça mais importante desse complexo sistema, a Escandinávia, com seu grande consumo de laticínios, não seria a campeã de fraturas no mundo. Um estudo sueco, publicado na revista médica BMJ(1), mostra que quanto mais alto o consumo de cálcio na dieta, maior a probabilidade de morte por todas as outras causas (até 40% a mais) e, especificamente, por infarto (dobra o risco).
Outra publicação importante(2) mostra que, em um grupo de pessoas que fez suplementação de cálcio com remédios, os infartos aumentaram 25% e os derrames entre 10 e 20%, comparativamente aos que não fizeram a tão heroica e inútil suplementação.
O cálcio, de fato, nos protege da osteoporose: a gente fica com os ossos bem duros, porém morremos mais cedo por outras causas.
Há indicações de que a distância que estamos em relação à linha do Equador é muito mais importante do que o consumo de cálcio na ocorrência de fraturas por osteoporose (vide mapa abaixo). Isso porque quanto mais próximo estivermos da linha do Equador, maior será a exposição ao sol, o que, por sua vez, melhora a absorção do cálcio nos ossos.

Frequência de fraturas osteoporóticas por país(3)
País de cor...
Risco de fratura
Casos de fraturas por ano em 100.000 habitantes
Vermelha
Alto
Mais que 250
Laranja
Moderado
Entre 150 e 250
Verde
Baixo
Menos que 150
Cinza
Não há dados





 






Um relatório da Organização Mundial da Saúde(4) mostra que o aumento do consumo de cálcio reduz fraturas em 4% das pessoas, mas isso se aplica apenas a pessoas que ingerem muito pouco cálcio em sua dieta. A suplementação de cálcio só se aplicaria nesses casos específicos, muito bem indicados e muito pouco frequentes. A suplementação indiscriminada não é apropriada.
A osteoporose tem, sim, que ser investigada e tratada quando o médico tem suspeita diagnóstica, como acontece com artrite reumatoide, insuficiência cardíaca, etc. Mas não é doença a ser detectada em programas preventivos abrangentes em países ensolarados (mesmo no Sul do Brasil). Há muitos outros problemas relevantes de saúde com que se preocupar.
Para haver fratura tem que haver queda. O sedentarismo e o uso de hipnóticos e soníferos são mais responsáveis por quedas de idosos, proporcionalmente, do que sua densidade óssea. Então, vamos sair da gruta e caminhar, abençoados pelo nosso rei Apolo, o Sol, neste Brasil luminoso. Um pouquinho diariamente já é o suficiente, enquanto você não morar na Suécia.
Mas e o câncer na pele? Por Dios!... Sobre essa lorota a gente conversa depois. Vamos pro Sol agora.

-o-





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